Diga News

POR: MOACIR SARAIVA – PANDEMIA E O IDOSO DE CABELO PINTADO

Outrora, a pintura do cabelo era uma prerrogativa apenas das mulheres, fato bastante justificado tanto por elas como também aceito pelos homens, uma vez que, segundo as convicções do mundo moderno, a brancura dos cabelos além de deixar a mulher mais velha, deixa transparecer também que ela está jogada, daí ser uma prática presente em todos os rincões do mundo.
Enquanto nas mulheres, o empretecer e o lourear as madeixas é muito mais por motivos de elegância e zelo pessoal, no homem não. Ele, invejoso, resolveu brigar contra a idade e também tingir os cabelos, o argumento utilizado é bem ordinário: velho não é respeitado, o cabelo preto impõe respeito e segurança. Não é nada disso, o objetivo mesmo é aparentar ser ainda um “broto”. Muitos jovens forçados pela cromatização da cabeleira se assemelham a artistas famosos, onde chegam não precisam de apresentação, todos percebem que aquele cabelo não pertence à cabeça e ao corpo que o sustenta.
Em meio à pandemia, fui obrigado a ir à rua, quanta alegria, eu parecia um menino ao ganhar uma premiação, fui sorrindo, abri as janelas das portas do veículo a fim de tomar vento na cara, mas a saída era rápida. Quando comecei a ver transeuntes na rua, fechei os vidros e segui viagem. Vi poucas pessoas sem o pano cobrindo a venta e a boca, uns usando o paninho com as próprias mãos, a maioria com os panos adequados, com elásticos dando voltas pelas orelhas e a máscara fixa no rosto.
Nesse tempo todo internado, por causa da coisa da China, acho que fiquei com problemas de visão e de decodificação, não visualizei homem nenhum com cabelos brancos, constatei isso quando estava indo para o meu destino. Constatação que mexeu com meus miolos, poxa, tão somente eu de cabelo branco na rua? Fiquei agoniado e me sentindo um fora da lei, um marginal. Abreviei até o tempo que ia ficar na rua com medo de represálias por parte dos fiscais do coronavírus, pois são impiedosos e poderiam até me trazer de volta para casa debaixo de vara.
No retorno também, só avistava homens com cabelos mais escuros do que a asa da graúna, como disse o escritor cearense, José de Alencar. Os cabelos, diferentemente dos de Iracema, eram curtos, mas um pretume só. Avistei um amigo que, assim como eu, já era detentor de cabelos agrisalhados, mas, agora, a cor preta reluzia. Parei o carro e, de longe, olhei para ele com espanto e perguntei indiscretamente, até isso o trancafiamento me fez:
– O que houve com seu cabelo, amigo?
– Pintei para não ouvir dichotes dos fiscais do coronavírus, onde eu ia, debochavam de mim, e me diziam com desdém e afronta:
– Vá pra casa, véio.
Alguns miseráveis andam com sinos e ao me avistarem, faziam o sino ressoar e falavam me encarando:
– Véio, olhe o carro do Caça-velho, vá pra casa, sua peste.
Nesse caso, o pretume salva e eles têm razão.

MOACIR SARAIVA 19.05.2020