Juazeiro, a gente vê só de pedacinho. Não adianta querer comer tão somente um acarajé ao lado dos antigos Correios. Há que beber também toda uma paisagem de ponte, pernas e rios, que sensualmente passam pra lá e pra cá quando é de tardezinha. Juazeiro, a gente nunca ouve de pouquinho. Em qualquer silêncio, sobrevive um grito de esperança. O cais cheira à música antiga e o poeta, às mulheres que estiveram com ele. A vida assim, tecida em prosa, agulha, verso, linhas, retalhos e rendas. Em fios de luz, 142 anos trespassados. Juazeiro, a gente nunca sabe com que roupa. Irreverente e indomável, a cidade não sai da moda; despida de frescura e arrodeios.
Quando ainda menino imberbe, Juazeiro já via longe, muito mais além da copa, muitos mais adiante da “Passagem”. Quando ainda menina, pois Juazeiro é menino e menina, homens e mulheres acordaram de um sonho barrento e saíram pelos campos a semear melões, uvas, melancias, cebolas e mangas. Irrigantes telúricos fecundaram o chão a apontaram o caminho de um novo tempo de perseverança e oportunidades para todos. De promissão, desde Itamotinga até o salitre, feito projeto. Juazeiro, a gente nunca sente todo. Mesmo o artista mais cuidadoso atenta para que as pinceladas últimas sejam invariavelmente as primeiras de um imutável painel sem fim.
E, pode crer, o quadro que se pinta pela manhã nas ilhas, nem sempre é o que se viu ao amanhecer no Rodeadouro. Porque, ao entardecer, Juazeiro, em sua geometria caprichosa, é puro som e surpresas. Há quem jure ter visto um luar prateado da cor de Ivete no fundo da bacia das lavadeiras do Angari. E não é de hoje esse negócio de visão. Pela esquina e encruzilhadas do Quidé, saltitam, à luz do dia, acordes dissonantes de um Edilberto Trigueiros em Edésio Santos. Ou vice-versa. Nos becos e arruados todos desta terra joão gilbertiana é certo que repousem suavemente, entre os quatros cantos e outros tantos, pontos, virgulas, e as aspas do poeta Pedro Raymundo. Aquele do pássaro que criou raízes. Gal-vão, Be-be-la, Mau-ri-ço-la, Co-e-lhão, Ma-nu-ca, Lu-ci-en, Si-be-le, Tar-gi-no, Lu-peu, Pin-zó. Juazeiro, a gente nunca pronuncia de uma vez só. É um canto, espaço e lugar que traz em si todos os nomes, tempos, temperos e emoções.
E quando é Carnaval então, Juazeiro também dança num mágico jogo de fantasia e alegria pós-tudo. Na quaresma, penitência ao repicar das matracas, fé e tradição ao pé do madeiro. Cadeiras na calçada e novena no mês de maio. Miudezas de um tempo onde a rua Sete de Setembro se chamava da Alegria e a Francisco Martins Duarte era tão somente das Flores. Tempero de um povo meio terra, meio água que vive sob a proteção de Nossa Senhora Rainha das Grotas e as bênçãos de São Surubim. Gente que acredita em Nego D’água e em Carrancas que gemem três vezes nas curvas do rio. Contam as mesmas lendas da Mãe D’água que um certo barqueiro Ermi tinha certeza que havia nascido no dia em que viu o rio. O mesmo afluente interno onde os homens banham-se de dia para de noite, adormecerem sob o manto da mulher amada. Juazeiro, a gente ama por inteiro.