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A FALÊNCIA DA UTOPIA

O
educador Paulo Freire fala dos tempos de crise com absoluta lucidez
evidenciando que o hoje é um tempo marcado pela perplexidade diante das dúvidas
que a crise do processo civilizatório nos impõe. Mas, paralelamente, nesse
mesmo tempo, caracterizado pela solidão e pelo medo, Freire vê um tempo de
aproximação que, após o rompimento com a solidão, traz a possibilidade de se
construir o novo a partir de uma força coletiva.
Nessa
construção solidária, a educação tem papel fundamental como um processo não de repetição,
mas, sim de recriação, porque, acima de tudo, o destino do homem é o de ser
sujeito de sua ação ao criar e recriar o mundo em uma filosofia educacional que
tem por base o diálogo e, por isso, ninguém educa ninguém, ninguém se educa
sozinho, mas os homens se educam em comunhão.
Simplificando
tudo o que lemos, Paulo Freire e o não menos eminente, professor de Geografia,
Milton Santos pregam que não existe educação sem amor e que isso implica uma
luta contra o egoísmo, porque aquele que não é capaz de amar os seres
inacabados não pode educar.
A
educação cujo princípio é o amor tem seu fundamento na sabedoria. Desse modo,
“despreza” a erudição em respeito à dignidade humana. Quem ensina não
tem empáfia…Quem de fato é mestre não tem ódio algum. Os autores nos falam,
assim, de uma educação para a liberdade, voltada para a utopia e para a
esperança. Afinal, segundo Paulo Freire, uma educação sem esperança não é
educação.
Lamentavelmente
essa utopia, exposta de forma tão sábia e bela por seu autor, parece agonizar
ou quem sabe até já morreu, porque, hoje já não vemos alunos, professores e nem
mesmo a própria comunidade com verdadeira esperança e fé na educação;
sobretudo, naquela oferecida nas instituições públicas, incluindo aí até mesmo
a universidade .Neste contexto, a escola tornou-se válvula de escape da
sociedade opressiva. Como, então, construir solidariamente uma educação
desinibidora e não restritiva, capaz de tornar o homem senhor do próprio
destino em uma sociedade alienante e cínica, na qual a dignidade profissional
da figura do professor é explicitamente destruída?
É
discutível, portanto, a possibilidade de transformar”mos” a educação
em um processo de recriação não mais repetitivo, mas dialógico, visando à
autonomia ontológica do ser, quando ao professor, “gente que faz
gente”, cabe apenas aceitar as condições insalubres ao exercer seu ofício
sem demonstrar qualquer tipo de insatisfação pessoal diante desses atos, muitas
vezes, cruéis e degradantes.
Acrescenta-se
a isso, os triviais casos de assédio moral, cometidos até por superiores, e
ainda de agressões verbais e físicas a que os docentes são submetidos por
jovens desorientados, que despejam naqueles que os educam suas frustrações,
como se os professores fossem os responsáveis pela miserabilidade dessa massa
estudantil.
Na
sua Pedagogia do Oprimido, Freire denuncia, rotulando de infame, a concepção
bancária da educação, própria da sociedade tecnocrática, que além de destruir
as iniciativas autônomas do estudante, submetendo-o a um poder ideológico e
catequista, torna, também, sua mente dócil às imposições do autoritarismo
vigente.
Nessa
conjuntura, o próprio professor é paulatinamente “recriado”nos moldes
do sujeito oprimido por um sistema necrófilo que ao implantar a educação faz
dele, professor, um simples assalariado cuja existência fica reduzida a
utilização de conhecimentos operacionais no exercício de uma profissão
considerada socialmente útil.
Não
pode haver coerência em se pregar a educação como um ato de amor e de luta
contra o egoísmo e, também, onde aqueles que educam devem compreender e
respeitar os seres ainda inacabados, Em face de uma atuação docente
paternalista, na qual os professores procuram tão somente agradar aos
estudantes ao não impor a disciplina intelectual, em um procedimento indevido
que infantiliza e não permite o amadurecimento existencial do aluno; tido,
enfim, como cliente e que, como tal, sempre tem razão!
Conseguiremos,
efetiva e sinceramente, amar um alunado incapaz de perceber na atividade
pedagógica do professor e no conhecimento adquirido um mecanismo de crescimento
pessoal e de emancipação política?
Infelizmente,
no atual cenário educacional brasileiro a educação de base é, aos poucos,
negada; criando uma geração de analfabetos funcionais que, mais tarde, pelos
malabarismos políticos encontrarão as facilidades oficiais para ingresso nos
cursos superiores públicos ou privados mesmo que não estejam, de modo geral,
preparados para a complexidade da formação universitária.
Dessa
forma, mesmo na vida acadêmica, vemos estudantes que jamais encontram
dificuldades pedagógicas, imprescindíveis para que haja uma formação cultural
consistente, porque seus professores também se comportam de forma apática;
avessos a qualquer tipo de conflito e, em virtude disso, acabam adotando a
mesma postura permissiva dos docentes medianos das falidas escolas públicas
para que não sejam censurados por não atender as “necessidades” dos
estudantes descompromissados ou de falso rendimento intelectual, que somente
sabem se comunicar positivamente com os docentes acadêmicos quando se encontram
sob o risco de reprovação ou quando são “ajeitados” de forma diversa
e privilegiada dos colegas ou do cronograma de aprendizagem.
Por
fim uma última questão: Em que medida a educação proporcionada pela
universidade pública, de modo específico de formação de professores, tem
fundamento na sabedoria, abrindo mão da cultura exclusivamente erudita em prol
da dignidade humana e da liberdade?
Pouco
importa em nosso momento histórico se as faculdades agregam em suas fileiras
estudantis pessoas que não estão, existencial e intelectualmente, preparadas
para as dificuldades relativas à vida acadêmica e talvez nem mesmo para a
experiência profissional como educador.
Por
outro lado, na Era tecnológica do capitalismo neoliberal, a educação figura
como um mecanismo que não visa à promoção da singularidade humana em sua real
possibilidade de expressão criativa, mas, acima de tudo, objetiva a criação de
especialistas máximos do mínimo que, muitas vezes, apenas reproduzem a
ideologia da alienação existencial em suas atividades profissionais, alheios,
inclusive, ao fato de que o mundo de hoje já não é feito de certezas; essa é a
única verdade empírica.
Se a
universidade não supera ou não se posiciona contra esse egoísmo ela se torna
servidora deste, impedindo que o pensamento autêntico possa se efetivar. Em
face a essa omissão há pertinência em parafrasear o filósofo Schopenhauer:
“Ai do tempo em que o atrevimento e o disparate repeliram a inteligência e
o entendimento”.
Talvez,
esteja faltando à universidade o que Paulo Freire chama de rede de
solidariedade. Nela, o compromisso é sempre solidário e nunca se reduz a gestos
de falsa generosidade ou a um ato unilateral. É o encontro de homens solidários
comprometidos com um mundo mais humanizado. Um mundo em que todos os homens, e
mulheres também, coletiva e solidariamente se responsabilizam perante a
história.

Valter
Silva é Pedagogo