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PROFESSOR VALTER SILVA : ENTRE “TAPAS” E TORTAS

ENTRE “TAPAS” E TORTAS



A recente volta da nomeação para o
cargo de diretor escolar municipal através da revogação de alguns artigos da
lei 157/2009 que legitimavam a eleição do gestor escolar  pela votação
direta de professores, funcionários da escola, alunos e pais ou responsáveis
evidencia, de fato, um perigoso retrocesso em um país tido como democrático e,
sobretudo, em um governo local denominado  “da Reconstrução”. A
realidade brasileira, porém, mostra que a tendência centralizadora é ainda
muito forte na cultura da escola e do sistema educacional como um todo,
especialmente, em localidades marcadas pelo atraso e pelo autoritarismo
plutocrático.
Pautando-se na impossibilidade de
apenas a direção solucionar os problemas e as questões inerentes à vida
escolar, a chamada gestão participativa, cujo diretor é eleito, inclusive pelos
seus colegas, pressupõe uma prática de discussão conjunta que envolva desde a
divisão de responsabilidades e a definição das funções de cada um até as
decisões sobre encaminhamentos e ações concretas.
Vemos, todavia, que durante o período
em que foi instaurada a eleição para diretores das escolas municipais em
Filadélfia a participação coletiva no seu sentido pleno não se tornou uma
prática comum no cotidiano escolar, talvez ainda marcado pela concepção 
de que o diretor seja o único responsável pela escola. Não podemos, porém,
falar em gestão participativa ou democrática onde o perfil da escola é definido
pela figura do seu diretor, mesmo que  tal diretor não apresente qualquer
destaque expressivo. Nesse sentido é urgente o trabalho de todos: professores,
funcionários, alunos, pais ou responsáveis e a comunidade, enfim, na construção
de sua cultura e de sua própria história.
Há, no entanto, como obstáculo, uma
inegável realidade na qual as relações estabelecidas entre os membros da escola
apresentam desequilíbrios tanto no nível das ações quanto das expectativas e
dos anseios de cada um.
Isso ocorre porque muitos profissionais
não têm clara consciência do seu existir como educador, por não estarem comprometidos
com aquilo que  pensam, mas, enxergando sob a ótica de uma sociedade
consumista e alienada, onde os arcaicos governantes pretendem manter o alunado
em um estado de absoluta precariedade intelectual. Acrescenta-se aí, a própria
hierarquia relativa aos diferentes cargos que configura no contexto da atuação
pedagógica na escola como devem ser exercidas as relações de poder.
Desse modo, o atávico 
autoritarismo, essência de um sistema político vicioso e  acéfalo, acaba
refletido na hierarquia escolar pela  triste  mancha do tráfico de
vaidosa influência, existente na escola  entre uma parte dos 
docentes e seus superiores; e, ainda, por um certo  distanciamento
afetivo, entre aqueles que educam, causado pelos desígnios da posse ou  do
ter.
A existência desses dois abomináveis
processos no sistema público de ensino pode até não impedir a ação educativa,
destruindo a prática solidária proposta por uma gestão  democrática, mas,
no mínimo, influenciam,  negativamente, como elementos causadores de
tensões e desigualdades; o que, por si só, já fere o discurso de uma gestão
coletiva e dialógica.
A gestão dos diretores eleitos em
Filadélfia, a exemplo daquela dos nomeados, esteve, sempre, e igualmente,
atrelada a um modelo governamental usurpador da coisa pública e desprovido da
verdadeira disposição para o progresso e para a mudança social. Assim, é
costume sugerir ao corpo docente, mesmo em gestão eleita democraticamente, que
agrade aos estudantes, jamais lhes impondo qualquer disciplina intelectual;
devendo ainda, em nome da “inclusão”, ser conivente com a
permissividade concedida por burocratas travestidos de educadores a alunos
insolentes ou agressivos e favorecendo, assim, ainda mais a perda de qualquer
respeitabilidade estudantil pela figura do professor.
Em tal contexto, a dignidade do 
professor é triturada aos poucos, e sobretudo, pelos constantes casos de
assédio moral, infelizmente, praticados em maior escala por secretários,
diretores e coordenadores, ainda que   de forma dissimulada, entre
tapas, beijos e tortas. Além disso, temos as agressões verbais e 
ameaças  físicas, cujas maiores vítimas são justamente aqueles educadores
comprometidos com a missão basilar da escola que é educar crianças e jovens;
muito “diferentes”, portanto, daqueles que proliferam em nosso
sistema educacional, onde discursam em uníssono que o” problema” é a
família! Ou que o governo não valoriza o professor…; por isso, acham que nada
pode ser feito!
Nesse triste, mas real cenário da
educação nos últimos anos em nosso município, o professor não encontra na
estrutura do Estado e, evidentemente, na própria direção da escola  
qualquer amparo que possa eliminar as mazelas relativas à carreira docente. Na
realidade para a gestão escolar cabe ao professor apenas acatar as condições
insalubres nas quais exerce cotidianamente seu ofício sem demonstrar qualquer
tipo de insatisfação pessoal diante das diversas humilhações e também da
agressividade dos alunos e de seus pais, contrários a qualquer disciplina
imposta pelo professor aos filhos; na maioria dos casos maus estudantes e mal-
educados.
Independentemente, portanto, de termos
uma direção escolar de caráter centralizador onde o diretor é quem manda; ou
outra, que se intitule democrática pelo fato de eleger seu diretor, a classe docente
perdeu em ambos os tipos de gestão escolar não só a sua dignidade existencial,
cuja consequência é evidenciada pelos corriqueiros casos de depressão, síndrome
do pânico e stress, mas, simultaneamente, o professor perdeu a credibilidade
profissional.
Hoje em dia os alunos já não percebem
na atividade docente um mecanismo de crescimento pessoal e de emancipação
política. Por outro lado, a potência criativa dos professores é roubada, quando
são coisificados e alienados de suas qualidades pessoais e profissionais por
burocratas- educadores que tentam transformá-los em meros palhaços ou 
animadores de auditório a fim de atender os clientes-alunos, principalmente, em
um modelo de gestão escolar que para ser visto como democrático, confunde
disciplina e ética com autoritarismo ou retrocesso.
Esta desvalorização torna-se ainda mais
inquestionável nas ocasiões em que o professorado luta por direitos
profissionais nas greves e não somente os alunos ficam alheios aos problemas
estruturais que afetam a carreira docente; como também muitos professores que
por omissão ou por flerte com o corrupto poder preferem depositar toda
confiança no sindicato na mediação com os órgãos públicos, mesmo cientes da
espoliação profissional sofridas por todos professores, praticadas pelo governo
que  esses profissionais, por vicioso individualismo, fortalecem, obedecem
e adoram.
O que observamos, em suma, há muitos
anos, no universo da escola pública,  são alterações sempre para pior;
como por exemplo, grande rotatividade de professores, evasão escolar, abandono,
depredação e transferência de alunos, além do baixo rendimento e déficit de
escrita e leitura, fatos que pouco parecem inquietar a maioria dos professores.
O que está em jogo; pois, no perfil do
diretor da escola é a sua capacidade institucional e individual de estabelecer
mecanismos de negociação e de mediação, capazes de viabilizar à vida cotidiana
da instituição educativa um diálogo constante com as normas, regras e outras
convenções formais a serem cumpridas por todos e em consenso e sem privilégios
para nenhum membro da escola.
Antes de pensar em gestão democrática,
temos que ter a consciência de que a instauração da democracia depende
basicamente da existência de boas instituições públicas como sindicatos,
grêmios estudantis, associações e conselhos, sendo ainda imprescindível uma
mentalidade social aberta aos valores de liberdade, igualdade e de
solidariedade.
No Brasil, e igualmente em Filadélfia,
não temos nem uma coisa, nem outra, pois a participação política da maioria dos
cidadãos, aqui, mais especificamente dos professores, envolve o famoso “me
ajeite que eu lhe ajeito” e outras benesses como os cargos que, na
realidade, servem muito mais para fazer alianças com governos de igual espírito
conservador, que nos domina desde os tempos coloniais, do que para educar as
novas gerações no sentido de superar essa falsa democracia que muitos pregam,
mas que bem poucos praticam.
Reiteramos, enfim, que mesmo em um
governo ditatorial, o autêntico diretor, ou líder de uma equipe escolar, deve
possuir algumas qualidades que só são reconhecidas por todos, quando são
sinceras: a honestidade, a  confiabilidade dos demais, os bons exemplos de
comportamento ético, os cuidados e o compromisso com a escola e não com as
vaidades e amizades pessoais. Além disso, o bom diretor ou coordenador precisa
ser bom ouvinte e tratar alunos e todos os professores com igual respeito,
tendo uma atitude positiva e entusiástica que encoraja todas as pessoas que
atuam na escola sem tomar posse de suas ideias ou dificultar projetos
essenciais para o progresso do aluno. Esse tipo de líder, enfim, gosta de
verdade das pessoas. Recordemos as palavras de Jesus, o Mestre dos mestres:
Quem quiser ser líder deve ser primeiro servidor. Se você quiser, verdadeiramente
liderar, deve servir.


Filadélfia Bahia, Novembro de 2018.


Por Valter Silva