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Fim de Carreira: Crônica do Professor Valter Silva

Caros(as)Colegas, Docentes!

Ao longo de nossas carreiras como educadores, mais precisamente no exercício de nossas funções pedagógicas, sofremos não apenas os cotidianos casos de deboche, de injúrias, de ameaças e até mesmo de alguma agressão física por parte dos nossos alunos, mas padecemos, também de constantes pressões institucionais, seja da secretaria de educação, seja da gestão escolar que tinham por objetivo nos cobrar a capacidade de estimular ao estudo uma juventude infantilizada, inclusive pelo próprio “pão e circo” promovido pela escola, e que julgava a vida estudantil um insuportável enfado.

Anos mais tarde, em face da espetacularização da sociedade, vimo-nos forçados a competir pela atenção dos discentes, a cada instante mais focados em seus celulares, só conhecendo interlocutores fictícios e limitados pela tela do espetáculo para onde suas próprias vidas foram deportadas. Desse modo, passava a ser exigida a nossa transformação em uma espécie de “animador de auditório” que em vez de prêmios, distribuía pontos ou mesmo notas para a satisfação do alunado e de seus pais por intermédio de “atividades atrativas” aos olhos daqueles alunos desmotivados e rebeldes.

Em um passado mais recente, há aproximadamente uma década, deparamo-nos com uma confusa família brasileira, cada vez mais fragilizada em suas bases morais, e que por esse motivo apresentava uma crescente transferência de responsabilidade da formação de seus filhos para a escola. Assim, além de nos tornarmos alvos da descarga de frustrações existenciais dos alunos, fomos solicitados a inculcar nesses estudantes alguns princípios e valores, como, por exemplo, a orientação religiosa, que, de fato, competeriam estritamente ao âmbito familiar.

Nos dias de hoje, onde vivenciamos uma terrível recessão econômica e talvez a maior crise moral de toda a nossa história, os secretários de educação sinalizam a intenção governamental de recriar um modelo tecnicista de educação visando, por um lado, a acabar com todos os tipos de liberdade na sala de aula, reforçando, paralelamente, uma ideologia sistêmica de metas absolutamente desumanas, incluindo aí o “sugamento” ao máximo da mão de obra docente. Por outro lado, pretende tornar habitual a exploração exercida pelas empresas que gerenciam a educação, contribuindo para a ocorrência de um viável esquema de corrupção envolvendo a esfera privada invadindo a pública.

Esse “vampírico” sistema educacional, que pretende efetivar uma sociedade autoritária através da ação educativa, fere, no entanto, não somente a Constituição Federal, que em seu artigo 206 defende o exercício da liberdade de ensino pautada no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, como também viola a Lei de Diretrizes e Bases, LDB, uma vez que essa é clara em ratificar a liberdade de ensino consagrada ao professor e não à faculdade ou muito menos à escola. Nenhuma instituição pode, portanto, obrigar o professor a adotar um tipo de material didático ou a conduzir suas aulas segundo conteúdos e cronogramas determinados.

A alegação governamental para a implantação de tal sistema é pautada unicamente na amostra de alguns estudos que evidenciariam o possível despreparo do professor e sua deficiente formação e, por fim, que esses problemas deveriam ser corrigidos com um austero controle das estratégias didáticas.

Essa argumentação, todavia, apresenta alguns equívocos como, por exemplo, julgar que um professor despreparado conseguirá ministrar aulas com ou sem planejamento fornecido pela escola.

Os tecnocratas educacionais também, estrategicamente, ignoram o consenso entre economistas e autoridades em educação que associam a melhora do nível docente ao pagamento de melhores salários e não ao controle de métodos.

Finalmente, os gestores educacionais erram quando acham possível padronizar grupos de estudantes que moram em regiões distintas e possuem níveis sócio-econômicos diferentes.

Nós, professores e professoras não devemos, assim, aceitar essa tentativa de controle e de massificação que os governos de todas as esferas pretendem nos impor e tampouco aceitar ameaças de retaliação ou de demissão, até porque somos concursados. Por isso, nobres colegas, temos que retomar a luta como classe docente; seja na participação e exigência de ação aos sindicatos, seja no acionamento da justiça, ou até mesmo nas manifestações mais imperativas, como a greve pela nossa liberdade de ensino.

A sociedade, por sua vez, precisa ter clareza sobre a motivação dos nossos atos de desobediência pela legítima autonomia em sala de aula; pois queremos, além do resgate da nossa dignidade profissional, que os alunos sejam tratados como seres humanos e que os ideais democráticos de liberdade para utilizar concepções pedagógicas plurais sejam, de fato, respeitados.

Filadélfia Bahia, Agosto de 2019

Por: Valter Silva
Formado em Pedagogia e Letras pela UNEB.